sexta-feira, 6 de julho de 2012

Cotidiano Fantástico #8 - Alice caiu morta.





Alice caiu da ponte e morreu. Horas depois ela acordou e nadou até o outro lado do rio, estava amanhecendo e ela lembrava muito bem os acontecimentos da noite passada. Olhou para o rio e não viu seu corpo, provavelmente agora ela era um espirito e seu corpo repousava no fundo das águas.
Checou os bolsos, não achou seu iphone, mas achou as chaves de casa e sua bolsinha de trocados juntos com um flyer de propaganda de um show qualquer. Sentiu vontade de ligar pra sua mãe, como espirito seria no minimo uma experiencia engraçada assustar a velha, procurou o orelhão mais próximo e ligou a cobrar. Um velho passou caminhando com o cachorro e deu bom dia, Alice estranhou mas respondeu.
A mãe atendeu e logo começou o sermão, Alice não entendeu “Mãe, eu to morta já disse!”, repetia Alice e a mãe dizia que morta ou viva voltasse logo pra casa se não ela matava! Não foi bem o susto que ela esperava.
Alice andou um bocado e começou a ficar cansada, o que era estranho por que espíritos não se cansam, então decidiu pegar um ônibus.
Já ficou meio óbvio que não se tratava necessária mente de ser um espírito, teve que pagar a passagem, passar na roleta, e todo mundo ficava olhando estranho pra ela pelo fato de estar toda molhada.
Quando chegou em casa levou um rela, “que história era aquela de estar morta?”, “mas eu to morta mãe! Esse é o tipo de coisa que pessoas mortas simplesmente sabem”. A discussão não saiu muito disso e sendo Alice oficialmente não-viva, ainda dava tempo de não levar falta na faculdade.
Chegando na aula 15 mim atrasada (deu trabalho tirar o cheiro de rio do cabelo), a professora já tinha feito a chamada e marcado a última falta restante para Alice perder a disciplina. Alice tentou persuadir a professora e logo a argumentação virou um bate boca. Alice gritou “quer saber? eu to MORTA! Eu não preciso disso!” e saiu furiosa da sala de aula.
Não era justo, todo mundo tinha sua hora, e justo na hora de Alice ela tinha que não morrer? Nesse momento passou um cara todo engomado e apertou sua mão dizendo “Deus te ama e tem um plano pra sua vida”, Alice olhou pro céu e esperou cinco segundos pra Deus corrigir seu planejamento e mandar um raio na sua cabeça, como não aconteceu, ela gritou pro cara “Quer um spoiler? Deus vai te matar no final seu idiota!”, nem com tamanha heresia veio o bendito raio.
Começou a pensar em suicídio mas não era justo, morrer uma vez já era o bastante, e tinha doído pacas! Ser atropelada pelo carro de um playboy em alta velocidade, ter costelas quebradas e fratura no crânio, ser arremessada 5 metros pra fora da ponte, cair mais 10 metros de altura e acertar água como se fosse concreto finalmente quebrando o pescoço. Caramba, como isso dói!
Como último recurso, Alice procurou no Google por algum motivo lógico de não ter morrido. Alguns resultados interessantes surgiram, no Yahoo respostas um cara dizia que era algum problema com o balanço da energia espiritual do planeta Terra, ao lado da pesquisa abriu o anuncio de um livro de autoajuda intitulado “Você não é um Zumbi: Dez passos para tomar as rédias da sua pós vida”, um portal de moda dizia que estar morto era a última tendencia na Itália, mas o mais legal é que Alice encontrou uma rede social da China só pra gente não-viva.
Mesmo com tudo isso Alice não se sentia bem, ninguém sabia exatamente como resolver esse problema, o ápice do espetáculo da vida tinha sido um direito negado a ela, e era assim que se sentia.
No impeto de deixar de existir Alice começou se desligar de todos os seus amigos, deletou todas as suas contas da internet, fugiu de casa e queimou suas roupas, rapou o cabelo e se fez livre de qualquer outro objeto que a ligasse a qualquer outra coisa, se trancou numa casa abandonada e ficou lá por alguns dias.
Depois de uma semana, Alice caiu morta....de novo.  

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