domingo, 14 de novembro de 2010

Cotidiano Fantástico #5 - Rosa

Ruth não estava presente em seu corpo naquele momento. Embora seus batimentos cardíacos, respiração e pupilas cansadas indicassem totalmente o contrário, as funções cerebrais de Ruth não agiam de forma a corresponder sua presença dentre os terráqueos. Olhava o fim do túnel. Sempre a luz branca no fim do túnel, esse em particular era branco por todos os lados, Branco!

Ruth gostava de cinza, mas suas amigas gostavam de branco, uma segunda pele para combinar no dia-a-dia com a primeira pele branca que usava para dormir, para tomar banho, para fazer sexo. Esse ultimo item não ocorria com a frequência desejada, por que Ruth era branca! Na comida, na fala e no sorriso; Insípida, uma cor neutra para não ser questionada , era a justiça, a calma, a assepsia e no fim a esperança da morte.

Era tão incomum para ela o rumo caótico que tomavam seus pensamentos que, por algum motivo, nunca tinha na vida imaginado como seria prazeroso levar uma metralhadora para lavanderia e deixar que os músculos de seu dedo indicador se contraíssem livremente, deixando o cheiro de sabão em pó e amaciante esconder o vermelho sangue voando pelo ar e tingindo as roupas de...

Ruth acordou do transe derrubando o alvejante azul no chão, o tubo hipnótico girava gradativamente mudando de cor enquanto ela tentava desligar a máquina no meio do processo de enxague. Clarice, amiga de Ruth, ajudava a tirar as roupas brancas que sobraram, tentando reaver um lenço vermelho que tinha esquecido na lavagem anterior.


Quando Ruth foi trabalhar no dia seguinte não havia saída, era uma blusa rosa por cima da última blusa branca que havia sobrevivido ao lenço vermelho de Clarice, um jeans tanto quanto usado e um tênis (gostava de usar tênis). Na saída do trabalho foi numa lanchonete e comprou um café, sentiu aquela vontade de chorar que sempre emergia no fim da tarde, mas segurou a postura por que o cara da outra mesa a estava observado:

- Bonita blusa, combina com sua pele...- Ele pareceu ter reunido muita coragem para fazer aquela observação...

- Obrigada – Ela reuniu muita coragem para não ignora-lo.